Mulheres

Eu queria ser capaz de responder ao José António Saraiva como uma senhora, mas não consigo.

Não quero falar de toda essa maravilhosa existência que, aparentemente, as mulheres da vida do senhor Saraiva tiveram. Nem sequer da luta que as mulheres da minha vida (as que conheci e as que nunca vi mas que cá estão, gravadas no que sou) travaram, ou de um passado-mais-que-passado que nem foi bem meu. Não quero falar dos meus avós, um no mar, outro na estiva, da minha mãe que ficou sem pai aos quatro anos e teve de crescer separada das irmãs, do meu pai que tinha o pai no mar e ele a crescer numa casa quase só de mulheres valentes (mulheres de homens do mar são sempre valentes, valorosas), mulheres trabalhadoras. Não quero falar da minha mãe, que tinha de trabalhar no comércio com horários ainda piores do que os de hoje, mas que guardava as férias todas para as filhas, para que pudéssemos descobrir a magia do cinema ou visitar um museu pela primeira vez... sem sapatos. Não quero falar da minha sogra, que só arranjou emprego mais tarde para poder tomar conta dos filhos, e que agora gostava de poder tomar conta dos netos mas não dá, porque tem de continuar a descontar para a reforma (não a dela, claro, a de alguém que não ela).

Posso falar de mim, de quando fiquei desempregada e fui obrigada a ser dona de casa a tempo inteiro – o ênfase está no OBRIGADA. Sou mais feliz com esta correria por vezes insana: «acorda, #piscopequeno, olha o lanche, olha as senhas, olha a mochila, aperta o cinto, como não sabes? tenho de ser eu a fazer tudo, por amor da santa! chego ao trabalho, leio, leio, rio-me, leio, leio, supermercado,vamos embora, #piscopequeno? mãe, eu não quero! mas são sete da noite e tu ainda tens de tomar banho e brincar e eu de fazer o jantar e ver os trabalhos e só temos duas horas e ufa! E só depois chega o #piscogrande, quase sempre muito depois das dez da noite, quando já descambei no sofá - continuamos amanhã às seis, pode ser?». Sou mais feliz quando tenho coisas para contar de como foi o meu dia, tal como #piscopequeno tem coisas para contar do seu dia desde que anda na escola, e não passa todo o seu tempo em casa com os avós. Sou mais feliz durante aquela meia-hora em que lavamos dentes, fazemos chichi e lemos a história (sempre a história) e "remenescamos" um bocadinho, para que as coisas boas se agarrem aos sonhos e aí fiquem até de manhã.

Eu queria ser capaz de responder àquela coisa que o José António Saraiva escreveu como uma senhora, mas não consigo. Na verdade, só me apetece responder-lhe, tal como um certo escritor pelos vistos pouco elegante e com nome de erva, com um sonoro «Vá à merda!».